Por Juliano Mello.
O sistema dos Juizados Especiais trouxe avanços enormes no que diz respeito ao acesso à Justiça, principalmente aos menos favorecidos, bem como no que se refere à duração dos processos e celeridade para uma decisão definitiva de mérito.
Porém, como tudo na vida, “não existe almoço grátis” nos Juizados. A tutela jurisdicional, em sendo mais “barata”, apresenta mais “defeitos”, os quais vêm sendo analisados pelo Legislador, bem como pelo próprio Poder Judiciário.
Atenhamo-nos, para fins deste artigo, aos Juizados Especiais Cíveis (JEC).
Na Justiça Comum cível, a primeira instância são os juízes de direito, a segunda instância é o Tribunal de Justiça, a terceira é o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e a quarta e última é o Supremo Tribunal Federal (STF).
Porém, para proporcionar mais rapidez à tramitação dos processos, no intuito de atingir-se rapidamente uma decisão definitiva de mérito, o sistema dos JEC faz tudo em um único grau de jurisdição: o juiz de piso decide e, em caso de recurso, uma Turma Recursal composta por outros três juízes, também de primeira instância, reavalia a questão.
Os recursos previstos
O ordenamento jurídico estabeleceu três modalidades de recurso contra as decisões dos JEC: o recurso inominado (art. 42 da Lei 9.099/1995), os embargos de declaração (art. 48 da mesma lei) e o recurso extraordinário (súmula 640 do STF combinada com o art. 102, III da Constituição Federal).
O recurso inominado é como se fosse uma apelação, que pode originar a anulação da sentença, retornando a matéria ao mesmo juiz para que julgue de novo, ou a reforma dela, quando a própria Turma Recursal implementa outra decisão no lugar e põe fim à causa.
Os embargos de declaração, julgados pelo próprio juiz de piso ou mesmo pela Turma Recursal, têm como objetivo esclarecer obscuridade na sentença, eliminar contradição, suprir omissão de ponto ou questão que não foi tratada e também corrigir erro material.
Por fim, o Recurso Extraordinário, julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) visa resolver questão constitucional levantada no processo, que possa vir a ter repercussão geral, ou seja, relevância para todos os casos semelhantes no Brasil.
A possibilidade de Reclamação
Não há previsão, no sistema dos JEC, de recurso contra decisão interlocutória (por exemplo, Agravo de Instrumento) e também não havia nenhum outro tipo de controle externo das decisões.
Isso foi gerando problemas de ordem prática, uma vez que muitos juízes dos JEC decidiam de maneira a desconsiderar a jurisprudência consolidada dos tribunais superiores, o que gerava, não apenas injustiça em vários casos concretos, mas principalmente insegurança jurídica, pela ausência de possibilidade de controle.
Para suprir esta lacuna, o STF decidiu, no Recurso Extraordinário 571.572/BA, que é possível Reclamação, prevista no art. 105, I, f da Constituição Federal, para atacar decisão dos JEC que não respeite a jurisprudência consolidada do STJ.
Regulamentando a aplicação desta decisão, o STJ editou a resolução nº 3, de 7 de abril de 2016, estabelecendo o seguinte:
Art. 1º Caberá às Câmaras Reunidas ou à Seção Especializada dos Tribunais de Justiça a competência para processar e julgar as Reclamações destinadas a dirimir divergência entre acórdão prolatado por Turma Recursal Estadual e do Distrito Federal e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, consolidada em incidente de assunção de competência e de resolução de demandas repetitivas, em julgamento de recurso especial repetitivo e em enunciados das Súmulas do STJ, bem como para garantir a observância de precedentes.
Art. 2º Aplica-se, no que couber, o disposto nos arts. 988 a 993 do Código de Processo Civil, bem como as regras regimentais locais, quanto ao procedimento da Reclamação.
Assim sendo, quando uma decisão dos JEC violar ou desconsiderar precedente qualificado do STJ, é possível atacar a decisão interpondo Reclamação perante o Tribunal de Justiça local.
A decisão não é perfeita, como o modelo também não é, mas proporciona ao jurisdicionado a oportunidade de sanar injustiça ou insegurança jurídica que tenha sido perpetrada em seu caso.
Juliano de Henrique Mello é advogado nas áreas Cível e Criminal.