É possível rever judicialmente um decreto de indulto ou graça?

A polêmica não começou agora.
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Muito se tem falado acerca da possibilidade do Supremo Tribunal Federal (STF) rever, em sede de controle judicial de constitucionalidade, o decreto do presidente da república Jair Bolsonaro que concedeu graça constitucional ao deputado federal Daniel Silveira.

Há posições em ambos os sentidos.

A primeira posição

Vez que a Constituição estabelece limitações ao exercício do perdão, a primeira posição entende que tais limitações encerram as balizas legais sobre o tema.

Deste modo, não se tratando dos crimes previstos expressamente no texto constitucional e legal como insuscetíveis de graça, cabe ao presidente da república o juízo discricionário acerca da concessão do perdão.

Vale lembrar que a graça, por não ser um recurso, não derruba e nem anula a condenação proferida, de modo que esta se mantém hígida e produzindo os efeitos previstos no Código Penal, como por exemplo a perda dos direitos políticos. O que ocorre apenas é que o perdão impede a execução das penas privativa de liberdade e multa.

Nesta toada, de acordo com a primeira posição, não caberia ao Poder Judiciário acrescentar novas arestas de modo a limitar o alcance do perdão concedido pelo presidente da república.

A segunda posição

Por outro lado, a segunda posição ressalta o fato de o perdão não ser senão um ato administrativo e, como tal, estar sujeito a controle judicial de constitucionalidade.

Em sendo baseado num juízo discricionário, por óbvio seria mais difícil derrubá-lo, mas não impossível, podendo o ato ser invalidado se provado, v.g., o desvio de finalidade em sua consecução, ou a ofensa ao princípio da moralidade administrativa, previsto no art. 37 da Constituição Federal.

Saliente-se, ainda, que, de acordo com a Teoria dos Motivos Determinantes, atos admministrativos discricionários podem ser derrubados se a eventual motivação expressada contrariar o ordenamento jurídico.

A polêmica não começou agora

Tal discussão tormentosa chegou ao Brasil recentemente – o que é comum em se tratando de direito brasileiro -, mas se trava no campo do direito estrangeiro há décadas.

Em relação à graça, por exemplo, a polêmica parece originária (falsa impressão) principalmente pelo instituto nunca ter sido usado no âmbito desta carta constitucional, que já goza de 33 anos de idade.

Eugenio Raul Zaffaroni, por exemplo, um dos penalistas mais famosos e respeitados do mundo, que fora ministro da suprema corte argentina e atualmente é juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), sustenta desde 1977 (pois é!) a possibilidade de revisão de um decreto de indulto (o que inclui a graça, que nada mais é do que o indulto individual).

Em Derecho Penal – Parte General*, o autor aponta que não se pode conceber que um decreto de indulto goze de um caráter absoluto e soberano que sequer as leis federais detém, porquanto sujeitas a controle.

Curiosamente, quis o destino que o exemplo dado pelo doutrinador 45 anos atrás encaixasse-se no exemplo do deputado brasileiro Daniel Silveira.

Isso porque a hipótese tratada por Zaffaroni versa sobre o presidente indultar pessoa condenada por incitar a sociedade civil a violentamente opor-se às instituições democráticas, o que fragilizaria a ordem social.

Trata-se, coincidentemente, da acusação suportada pelo deputado Silveira.

Exemplo de decisão revisora de indulto

Em 2017, o ex-presidente peruano Alberto Fujimori fora agraciado com um indulto humanitário, o qual também está previsto na legislação brasileira, pelo presidente Pedro Pablo Kuczynski.

Tendo em vista a figura controversa de Fujimori, bem como a natureza dos crimes que foram reconhecidos pelo Judiciário, o decreto fora questionado judicialmente, tendo a suprema corte peruana, em decisão final, resolvido pela manutenção do decreto, sustentando a insuscetibilidade de controle judicial de constitucionalidade do ato.

Nada obstante, o caso fora submetido à supracitada CIDH, que em decisão final de mérito determinou a derrubada do decreto.

E agora?

O fato é que o caso Daniel Silveira balizará a aplicação do direito nacional no que se refere ao instituto do indulto.

Haverá um “antes do caso Daniel Silveira” e um “depois”.

Se o STF decidir por derrubá-lo, haverá prejuízos no sentido da vulneração dos direitos humanos, entre os quais se enquadra a possibilidade de usufruir do perdão, bem como uma subjugação do Executivo federal frente ao Judiciário, sem freios e contrapesos suficientes a garantia a harmonia e independência dos poderes.

Por outro lado, se o STF decidir pela manutenção do decreto, haverá perdas no sentido de abrir uma avenida para que o presidente da república indulte outras pessoas que hoje encontram-se investigadas e processadas junto à corte, acusadas de crimes contra a segurança nacional, em moldes semelhantes ao caso Silveira.

Não há saída fácil ou tranquila.

 

 

* Imprenta: Buenos Aires, Ediar, 1977.

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