Por Juliano Mello.
O artigo 1.579 do Código Civil prevê:
O divórcio não modificará os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos.
Parágrafo único. Novo casamento de qualquer dos pais, ou de ambos, não poderá importar restrições aos direitos e deveres previstos neste artigo.
É muito claro o direcionamento exposto na lei, que deveria nortear a postura dos agora ex-cônjuges.*
Nada obstante, infelizmente nos deparamos, na prática, com situações em que o cônjuge que vai embora acaba rompendo relações também com os filhos oriundos da relação.
Tal postura causa traumas profundos na criança, que não raro aufere grandes prejuízos emocionais e psicológicos decorrentes do abandono.
Porém, a situação pode mudar.
Não é difícil demais acontecer situação em que o genitor que esteve ausente arrepende-se, e intenta corrigir o que fora feito, recuperando o convívio e restabelecendo a relação com os filhos.
É claro que suas emoções estarão à flor de pele, e é compreensível que ele tenha pressa em recuperar o que perdera. Porém, cabe ao advogado “colocar a bola no chão”, por assim dizer, e administrar a situação de forma calma e racional.
Como assim?
Em situações como essa, pode ser que o genitor antes ausente, ao retornar, enfrente uma compreensível e previsível resistência por parte do outro genitor, que ficou com a guarda dos filhos.
Ciente de seus direitos, porém embriagado pela afoiteza, ele talvez contrate um advogado para requerer a modificação da guarda, para a modalidade compartilhada, por exemplo.
Entretanto, “a pressa é inimiga da perfeição”, como diz o provérbio, e fazer este movimento logo de cara pode significar “queimar a largada”.
Embora difícil, é preciso respirar fundo e lidar com o caso com estratégia.
Vale destacar que os filhos não precisam de outro choque, outro baque que lhes confunda ainda mais a cabeça, e mudanças deste tipo, para o seu bem, segundo o princípio do melhor interesse da criança ou adolescente, precisam ser administradas parcimoniosamente, por meio de doses homeopáticas.
Como fazer isso na prática?
Não é possível, em regra, obstar completamente o direito de convivência entre o genitor e sua prole, direito este que assiste a ambos, não pertencendo apenas ao genitor e nem apenas aos filhos.
Porém, como não existem direitos absolutos, seu exercício pode ser regulamentado de modo a proteger o bem-estar mental, emocional e psicológico dos filhos.
Destarte, uma forma criteriosa de agir é requerer, inicialmente, a fixação de um regime de convivência seguro.
Neste requerimento, é importante e útil que o genitor reconheça expressamente sua responsabilidade na ausência de contato com os filhos, bem como concorde que é correto que estejam sob guarda unilateral do outro genitor.
Embora o genitor regressante tenha pressa, o magistrado, sabiamente, concordará melhor em “começar do começo”, estabelecendo inicialmente um regime de convivência de menor intensidade, por exemplo, um onde o genitor visite os filhos por 2 (duas) horas no lar em que eles residem.
Deverá o advogado esclarecer e tranquilizar o cliente no sentido de que a conviência não precisará ser assim para sempre, consistindo este apenas num “pontapé inicial”, um ponto de partida para a retomada do convívio.
Após um período razoável onde se possa demonstrar que o genitor cumpriu corretamente o estabelecido, sendo que não houve problemas causados por sua culpa, poderá o genitor, através de seu advogado, dar um passo a mais, requerendo a intensificação do regime definido, talvez para permitir que ele busque os filhos no sábado de manhã e possa devolvê-los à noite.
Em sendo deferido o pedido, após mais um período razoável, poderá o genitor requerer novamente ao magistrado a intensificação da convivência, permitindo-lhe, agora, que os filhos possam dormir sob sua custódia, sendo buscados no fim da sexta-feira e devolvidos no fim do domingo.
Após mais um período razoável transcorrido sem maiores percalços, poderá o genitor novamente requerer perante o juízo, mas desta vez não no sentido da alteração do regime de convivência, mas sim no sentido da modificação da guarda para a modalidade compartilhada.
É do interesse dos filhos usufruírem duma parentalidade responsável, presente, que lhes cuide em todos os aspectos de maneira zelosa e atenciosa.
Este direito, via de regra, não pode ser obstado pelo outro genitor, porquanto a primazia é beneficiar não a ele, mas aos filhos.
Com estratégia, paciência e empenho, mesmo um cálice quebrado pode ser remendado, e mesmo uma relação rompida pode ser restabelecida.
* A expressão “ex-cônjuges” fora utilizada apenas para facilitar a redação, vez que este artigo também se aplica a ex-companheiros.
Juliano de Henrique Mello é advogado nas áreas Cível e Criminal.