Audiência de Custódia no STF e Tribunais Internacionais de Direitos Humanos

No Brasil, discutimos coisas que já estão em nossa literatura desde os anos 1950.
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Por Juliano Mello.

 

Já há muitas décadas tem-se buscado reduzir o número de prisões preventivas, sobretudo nas Américas, por intermédio de ferramentas concebidas a partir de uma perspectiva mais crítica da Criminologia, do Direito e do Processo Penal.

Destas, a ferramenta que mais se aproximou de cumprir com este objetivo foi a Audiência de Custódia.

A Audiência de Custódia decorre do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Está prevista no art. 7º, § 5º da Convenção Americana de Direitos Humanos, no art. 9º, § 3º do Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos, na Convenção Europeia dos Direitos Humanos, na Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, nas constituições de alguns países e na legislação da grande maioria dos países do mundo. 

Ou seja, o direito de qualquer pessoa presa, de ser conduzida sem demora a um juiz ou autoridade judicial, hoje, é quase como se se tratasse de um direito natural.

No Brasil, a Audiência de Custódia sempre existiu.

O Código Eleitoral, que é de 1965, já a previa, i.e., antes mesmo da adoção da Convenção Americana.

Também, o art. 2º da Lei da Prisão Temporária também facultava esta apresentação.

O que ocorre é que, anteriormente, a Audiência de Custódia era realizada pelo Delegado de Polícia, e hoje é apenas pelo juiz.

Em alguns países do mundo, ela pode ser feita pelo Ministério Público, mas no Brasil, nem o parquet e nem o Delegado tem poderes liberatórios. Este pode apenas arbitrar fiança, e aquele, na apuração de ato infracional, pode conceder remissão, a qual deve ser homologada pelo juiz.

Ou seja, tudo sistematizado de modo a garantir o máximo cuidado judicial.

Ainda que haja opiniões no sentido de que Magistratura e MP poderiam se misturar no conceito de autoridade judicial, a Corte Interamericana tem diversas decisões interpretando o art. 7º, § 5º e o art. 8º, § 1º de modo a estabelecer que só um juiz pode presidir audiência de custódia.

Modalidades prisionais sujeitas à Audiência de Custódia

Basicamente, todas as modalidades prisionais devem observar a obrigatoriedade da realização de Audiência de Custódia, isto é: prisão em flagrante, prisão decorrente de mandado de prisão provisória e prisão decorrente de mandado de prisão definitiva.

Inicialmente, isso não fora observado. Por isso, a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro ajuizou Reclamação perante o Supremo Tribunal Federal (STF).

O fundamento era de que havia descumprimento frente à decisão da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 347, a qual resutara na declaração de Estado de Coisas Inconstitucional em relação ao sistema carcerário brasileiro, bem como também discutiu o tema das audiências de custódia.

A Reclamação fora relatada pelo ministro Edson Fachin que, monocraticamente, julgou-a  procedente, obrigando a Audiência de Custódia em todas as modalidades prisionais.

Os motivos apontados pelo ministro foram:

  1. uma das finalidades da Audiência de Custódia é prevenir a violência policial, tanto a verbal como afísica). Logo, se a Polícia pode ser violenta numa modalidade, também poderia sê-lo nas outras;
  2. é necessário garantir que um juiz rapidamente exerça o controle judicial imediato.

A título de exemplo, reparemos na seguinte situação, que amiúde acontecia:

Com base no Código de Processo Penal (CPP), art. 366, havia situações em que certo réu era imaginado foragido, quando na verdade apenas estava em local não informado.

Daí, ao comparecer a uma determinada repartição burocrática para renovar seu passaporte ou sua carteira de motorista, por exemplo, já era informardo sobre um mandado de prisão e, na hora, preso preventivamente.

Vez que o CPP não determina a notificação de ninguém quando da prisão preventiva, a pessoa podera acabar ficando esquecida na prisão, se fosse pobre.

Com a audiência de custódia, isso se resolve imediatamente: a pessoa informa seu endereço e não permanece presa.

E daí?

O grau de interlocução do Direito brasileiro com o Direito Processual Penal Comparado contemporâneo é muito baixo.

Consequentemente, aqui nos vemos discutindo coisas que já estão em nossa literatura desde os anos 1950.

Por isso, a Audiência de Custódia foi um choque no Brasil, haja vista as concepções fossilizadas na doutrina brasileira.

Neste sentido, o Direito Comparado nos permite saber onde estamos na corrente do tempo, “na fila do pão”.

Através dele, vemos que estamos muito atrasados, porquanto institutos jurídicos que aqui são polêmicos, como se novidades fossem, são comuns ao redor do mundo ocidental.

Uma vez que estivermos melhor informados e alinhados com as práticas jurídicas internacionais, especialmente as ocidentais, mais capazes seremos de prosseguir no avanço civilizatório que os tempos exigem.

 

Juliano de Henrique Mello é advogado criminalista.

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