Por Osny Brito da Costa, via Ciências Criminais.
Um dos casos mais emblemáticos e mais relevantes noticiado pela história foi, sem dúvida, o julgamento de Jesus Cristo, personagem universalmente conhecido. Porém, sua prisão, julgamento e condenação foram permeados de ilegalidades, nulidades e ofensas aos basilares princípios do Direito, verdadeiro assassinato pelo poder estatal.
A base jurídica do povo hebreu era o Torah e a Misnah. Os juízes aplicadores do direito compunham o Sinédrio. Na época, o Governador era Pôncio Pilatos, o que possuía o chamado ius gladii, ou seja, o poder da vida e da morte.
Jesus passou por dois julgamentos: um religioso, perante o Sinédrio, e outro político, diante de Pilatos. As acusações políticas eram: sedição, declarar-se rei e incitar o povo a não pagar impostos a César.
O Sinédrio não tinha o poder para decretar a pena capital. Por isso, Jesus foi acusado de ter instigado o povo à revolta (sedição), incitando-o a não pagar tributos a Cesar e de ter se proclamado rei (crimen laesae majestati).
A história da morte de Jesus começa com a sua prisão. A prisão de Jesus aconteceu na noite de quinta-feira, véspera da Páscoa, sem qualquer mandado. A história conta que Judas Iscariotes entregou Jesus aos sacerdotes. Teria traído o seu Mestre por 30 moedas de prata.
Encaminhado a Pilatos, este, em um primeiro momento, enviou Jesus ao rei Herodes para julgamento. Herodes devolveu Jesus sem sentença. Não havia acusação, prisão ilegal, processado por Juízo incompetente.
Pilatos jogou a escolha para a multidão (privilegium paschale), em razão do direito consuetudinário de soltar um preso na época da Páscoa, terceira instância. Na época, estava preso um homem muito conhecido, chamado Barrabás. Quando a multidão se reuniu, Pilatos perguntou:
"Quem é que vocês querem que eu solte: Barrabás ou este Jesus?"
Responderam eles:
"Barrabás!"
Os chefes dos sacerdotes e líderes judeus convenceram a multidão a pedir ao governador Pilatos que soltasse Barrabás e condenasse Jesus. Pilatos, então perguntou:
"Que farei então com este a quem chamam de Messias?"
Responderam todos:
"[Para a estaca com ele]!"
Pilatos lavou as mãos e disse para o povo (em Mateus 27.24:):
"Estou inocente do sangue deste justo; fique o caso convosco!”
Na execução da sentença, um soldado romano foi o executor de Jesus Cristo, cravou os pregos nas mãos e pés, cumprindo ordens e o seu dever. (No mundo romano, a morte sem sepultura era a maior desonra. Um corpo exposto aos olhares de todos e animais, significava destruição da identidade.)
Após Pilatos entregar Jesus para a [morte na estaca], os atos de execução foram cruéis e flagelados: Jesus foi obrigado a carregar parte da sua [estaca de tortura] até o monte onde seria [morto]. No fim, para garantir a pena de morte, o exactor mortis dirigiu sua lança para o lado de Jesus, fazendo com que atravessasse suas costelas e chegasse ao coração.
Em uma análise jurídica, elencamos as principais nulidades ocorridas no maior erro do judiciário registrado na história da humanidade: julgamento ilegal, sem observância das formalidades da lei romana, sem apresentação de acusação delimitada, sem direito a defesa e contraditório, sem direito a recurso e com atribuição de pena não correspondente ao crime imputado.
Ilegalidades Processuais
- Não se buscou qualquer testemunha para depor em seu favor.
- Não se observou o tempo mínimo de aviso necessário, pela lei, para anunciar que todos que quisessem poderiam comparecer ao julgamento.
- Não foi apregoada no Templo qualquer notícia pública sobre o caso.
- Não fora enviada notificação escrita à fortaleza Antonia (o que teria permitido ao procurador o direito de enviar à corte judaica um assessor, e decidir se haveria ou não necessidade de intervir).
- Prisão uma hora antes da meia-noite, de quinta-feira, em total desrespeito aos costumes e preceitos legais judaicos.
- Ilegalmente preso.
- legalmente interrogado.
- O tribunal foi ilegalmente reunido à noite.
- Ilegalidade de julgamento noturno (o direito judaico não admitia).
- Testemunhas falsas, arregimentadas pelo próprio juiz.
- Falta de fato típico punível (condenado e processado sem imputação de um crime, ofensa ao nullum crimen sine lege).
- Falta de indiciamento (nenhuma ordem foi emitida por qualquer autoridade competente, desrespeitando o código criminal romano).
- Incompetência do juízo e suspeição dos juízes. Anás não tinha competência para proceder ao interrogatório.
- Interrogatório na residência particular do Sacerdote Caifás, contrário à lei, pois o lugar legítimo para tais atos de processo era o Templo.
- E incompetência dos juízes por suspeição, com interesse na causa.
- Ilegalidade da prisão (o horário do ato, a inviolabilidade de domicílio, a não existência de mandado e a ausência dos institutos de prisão provisória e preventiva).
- Julgamento noturno e não público (o julgamento hebraico de Jesus Cristo não foi público; o princípio da publicidade não foi observado).
- Ausência de prova para condenação (um tribunal penal não admitia que uma pessoa fosse declarada culpada pela confissão; só poderia ser considerada culpada mediante o depoimento de, pelo menos, duas testemunhas; o julgamento não teve oitiva legal).
- Cerceamento do direito de defesa (Jesus Cristo não teve direito a qualquer defesa).
- A lei Mosaica proibia a acusação mediante traição (Jesus foi traído por Judas, pelo preço de 30 moedas, em troca da delação).
- A sentença não poderia ter sido proferida no mesmo dia, por se tratar de pena capital.
- Pena equivocada (nenhum dos crimes eram punidos com morte, muito menos com [a estaca de tortura]).
- Ausência de denúncia (um processo só se iniciava por ação movida por um cidadão Romano, a delatio crimini; o acusado teria o seu nome lançado na tábua no rol de culpados, aguardava-se, 30 dias, prazo para colheita de provas).
- Falta de formação do Júri (formava-se um órgão julgador sorteados, juízes do Júri).
- Falta de provas (não havia nenhuma prova contra Jesus Cristo).
- Prisão equivocada (o direito romano exigia um indiciamento criminal formal antes da detenção do acusado).
- Da sentença, cabia recurso para um órgão superior.
- A [estaca de tortura] era apenas reservada ao crime de sedição (Jesus não foi condenado por sedição).
- Jesus Cristo não teve advogado, defensor, defesa técnica ou mesmo autodefesa.
- Não houve qualquer investigação preliminar.
- Agredido durante o interrogatório do Sinédrio.
- Julgamento parcial, pela multidão.
Jesus foi condenado por uma terceira instância: uma instância popular. Pilatos apenas se curvou à vontade do povo, mesmo convicto que Jesus não havia cometido qualquer crime e mesmo diante de todas as ilegalidades processuais.
Em analogia aos tempos de hoje, não são raras vezes os jurados condenam alguém por influência da mídia e da opinião pública. Diante desse emblemático caso, devemos sempre lembrar que nenhum julgamento, especialmente o proferido pelo jurado leigo, deve ser norteado pela pressão popular.
O jurado deve sempre julgar com base nas provas dos autos, consciente, acima de tudo, dos ditames da Justiça.