Filho menor que mata os pais deve ser excluído da herança

STJ decide que, no âmbito cível, é irrelevante a diferença entre o homicídio e o ato infracional análogo
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O STJ (Superior Tribunal de Justiça) foi instado a decidir se o ato infracional análogo a homicídio, praticado por herdeiro contra ascendente, é motivo para exclusão da herança por indignidade.

O art. 1.814, I do Código Civil (CC) diz:

São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;

Para a majoritária doutrina, o art. 1.814 do CC, que prevê as hipóteses autorizadoras de exclusão de herdeiros ou legatários da sucessão, é um rol taxativo. Por isso, conclui-se que não se pode criar outras hipóteses não previstas no dispositivo legal, seja por analogia ou por interpretação extensiva.

Pois bem, a regra do artigo, se interpretada literalmente, de forma irreflexiva, descontextualizada e apenas do ponto de vista semântico ou sintático da língua, induziria ao resultado de que o uso da palavra homicídio possuiria um sentido único, técnico e importado diretamente da legislação penal para a civil, razão pela qual o ato infracional análogo ao homicídio praticado pelo filho menor contra os pais não poderia acarretar a exclusão da sucessão, pois, tecnicamente, homicídio não houve.

Contudo, em que pese a taxatividade do rol do artigo, a interpretação literal é apenas uma das formas de se definir o sentido e o alcance de um texto de lei, mas não a única. É possível usar interpretações lógica, histórico-evolutiva, sistemática, teleológica e sociológica das hipóteses taxativamente listadas, a fim de se dar solução justa a conflitos específicos surgidos em casos concretos.

A exclusão do herdeiro que atenta contra a vida dos pais, cláusula geral com raiz ética, moral e jurídica existente desde o direito romano, está presente na maioria dos ordenamentos jurídicos contemporâneos e, no Brasil, possui, como núcleo essencial, a exigência de que a conduta ilícita do herdeiro seja dolosa, ainda que meramente tentada, sendo irrelevante investigar se a motivação foi ou não o recolhimento da herança.

A finalidade da regra que exclui da sucessão o herdeiro que atenta contra a vida dos pais é prevenir a ocorrência do ato ilícito, tutelando bem jurídico mais valioso do ordenamento jurídico (vida), e também é reprimir o ato ilícito porventura praticado, estabelecendo sanção civil correspondente à perda do quinhão por quem praticá-lo.

Assim, se o art. 1.814, I, do CC diz que não terá direito à herança quem atentar, propositalmente, contra a vida de seus pais, ainda que a conduta não se consuma, independentemente do motivo, a diferença técnico-jurídica entre o homicídio doloso e o ato análogo ao homicídio doloso, que é relevante no âmbito penal, é irrelevante no âmbito civil, sob pena de ofensa aos valores e às finalidades que nortearam a criação da norma e de completo esvaziamento de seu conteúdo.

 

REsp 1.943.848-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 15/02/2022, DJe 18/02/2022.

 

 

Via Informativo 725 do STJ

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