Por Juliano Mello.
Guarda, nas palavras de José Fernando Simão, é a “companhia fática de uma pessoa com relação à outra a qual a lei atribui efeitos jurídicos”, quais sejam, “o dever de cuidar do menor e zelar por sua segurança”.[1]
A guarda é um dos elementos do poder familiar, o qual consiste no “conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, em relação à pessoa e aos bens dos filhos não emancipados, tendo em vista a proteção destes”.[2]
O poder familiar, portanto, gera não apenas direitos, mas principalmente deveres, os quais, se não cumpridos a ponto de prejudicar a pessoa do menor, podem culminar em sua suspensão ou mesmo extinção, fazendo com que o(s) pai(s) não mais possam ter os filhos sob sua guarda.
O artigo 1.634 do Código Civil (CC) prevê as obrigações decorrentes do poder familiar, quais sejam:
I – dirigir a criação e a educação dos filhos;
II – exercer a guarda;
III – conceder ou negar-lhes consentimento para casarem, viajarem ao exterior ou se mudarem para outro Município;
IV – nomear-lhes tutor, se necessário;
V – representá-los judicial e extrajudicialmente;
VI – reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;
VII – exigir-lhes obediência, respeito e serviços apropriados.
Como tudo o que se relaciona à pessoa da criança e do adolescente, o poder familiar tem por objetivo o melhor interesse destes, e não dos seus detentores. Tudo deve correr e ocorrer de maneira que os beneficie, e não que os prejudique.
Se algo sair dos trilhos a ponto de prejudicá-los, o Estado pode e deve agir, no sentido de assegurá-los, como possível e necessário.
Suspensão do poder familiar
O CC, 1.637, prevê que se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz adotar a medida necessária à segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, se preciso for.
Nesta situação, o pai ou a mãe deixariam de exercer o poder familiar por um certo período de tempo, até que a situação que originou a suspensão possa ser devidamente equacionada.
Tal pedido pode partir de algum parente ou do Ministério Público, caso venham a ter conhecimento da respectiva situação.
Também é causa de suspensão do poder familiar, conforme o parágrafo único, quando o pai ou a mãe são condenados por sentença irrecorrível por crime com pena de mais de dois anos de prisão.
Perda do poder familiar
Há, ainda, situações em que o pai ou a mãe deixam de exercer o poder familiar em caráter definitivo. Estas situações estão previstas no CC, 1.638, e são elas:
I – castigar imoderadamente o filho;
II – deixar o filho em abandono;
III – praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;
IV – incidir, reiteradamente, nas faltas que causam a suspensão do poder familiar;
V – entregar de forma irregular o filho a terceiros para fins de adoção.
VI – matar ou ferir gravemente outro titular do mesmo poder familiar, ou outro descendente, em situação de violência doméstica ou de gênero;
VII – praticar, contra outro titular do mesmo poder familiar, ou outro descendente, crime contra a dignidade sexual, sujeito à pena de reclusão.
Nestes casos, após o devido processo legal, poderá o juiz decidir pela perda definitiva do poder familiar, em relação ao titular em questão.
Pai ou mãe com transtornos psiquiátricos
O fato de o pai ou mãe não serem perfeitamente saudáveis não é motivo para privá-los da convivência dos filhos.
Isso se aplica também ao aspecto saúde mental. Não é porque o pai ou a mãe sofre de algum transtorno psiquiátrico que automaticamente devem ser privados do poder familiar.
Entretanto, pode haver situações em que um transtorno psiquiátrico que acomete o pai ou a mãe prejudique ou ameace gravemente o bem-estar, a segurança e o desenvolvimento da criança ou adolescente.
Imagine-se, por exemplo, a situação de uma pessoa com tamanha instabilidade emocional que freqüentemente venha a mencionar ou mesmo a praticar algum tipo de atentado contra a vida de outrem ou a sua própria, situações essas vivenciadas ou presenciadas pela criança ou adolescente.
Caso um estudo psicossocial e assistencial ateste que aquela criança ou adolescente está sendo prejudicado ou ameaçado devido ao problema de seu pai ou mãe, pode ser que o juízo responsável por tratar do assunto resolva por suspender o poder familiar, de modo a permitir à criança ou adolescente a possibilidade de vivenciar uma realidade mais leve, digna e segura, o que é seu direito.
Saliente-se, é claro, que cada caso é um caso. Toda e qualquer decisão tomada em situações de família reclamam especial cuidado e responsabilidade por parte dos órgãos ministeriais e judicantes, bem como análise multidisciplinar, que mescle as normas jurídicas aos estudos psicológicos, psiquiátricos e assistenciais.
A família, conforme o artigo 226 da Constituição Federal, goza de proteção do Estado. Portanto, não é do interesse do Poder Público o desfazimento de núcleos familiares. Ao contrário, ao Estado interessa o seu fortalecimento. Nada obstante, é dever do mesmo Poder Público a proteção da criança e do adolescente, uma vez que representam o futuro da sociedade.
[1] Sobre a doutrina, guarda compartilhada, poder familiar e as girafas. Conjur, 2015. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2015-ago-23/processo-familiar-doutrina-guarda-compartilhada-girafas. Acesso em 31 de janeiro de 2022.
[2] RODRIGUES, Silvio. Direito civil. 28. ed. Atualização de Francisco José Cahali. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 6, p. 356.
Juliano de Henrique Mello é advogado nas áreas Cível e Criminal.